Costumo dizer que eu cresci na ponte da Entreprise. Isso é, obviamente, uma metáfora, fundada em uma certa verdade. Acontece que eu não fui o tipo de criança que brincava na rua, minha infância foi mais introspectiva, e bastante televisiva. Minha referência direta a Jornada nas Estrelas decorre do fato de que esta foi a série que acompanhou o maior período de minha infância, bem como toda a minha vida adulta. Essa infiltração cultural deixou fortes marcas em minha personalidade.
O conceito de Star Trek foi criado por Gene Roddenberry na década de 60. Naquela época, a censura agia com punhos de ferro, e Gene criou uma série que criticava esse momento político. Ao tratar a realidade por meio de criaturas extraterrestres, Gene foi capaz de driblar os órgãos censores e passar sua mensagem.
Em sua ponte de comando, a Enterprise da série clássica já transmitia uma mensagem de igualdade e tolerância. Não era por acaso que lá havia uma mulher negra, um oriental, um russo, um escocês e um extraterrestre, todos trabalhando em paz e harmonia.
Uma curiosidade: a atriz Nichelle Nichols conta que, em uma convenção, uma menina se aproximou dela e disse amar Star Trek porque, pela primeira vez, vira uma mulher negra interpretando um papel que não fosse o de empregada. Essa menina era Whoopi Goldberg, que anos depois interpretaria a complexa personagem Guinan, em Star Trek Next Generation.
Tolerância. Esta foi, sem dúvida, a primeira e mais valiosa lição que aprendi com a tripulação do Capitão Kirk. Sou apenas humana e, como tal, tenho inúmeros defeitos; como tal, sou uma criatura preconceituosa. Porém, por causa das lições de ST, um de meus objetivos de vida é abandonar este sentimento mesquinho e degradante.
Roddenberry fez também com que a diretriz primeira da Federação dos Planetas Unidos fosse a de não interferência. Por várias vezes, a série mostra como é difícil respeitar esta diretriz, seja por motivos éticos, morais ou humanitários. Por sermos tão apegados a nossos próprios padrões culturais, é extremamente difícil aceitar a cultura de outros povos.
Alteridade. Conceito que significa o respeito a diferentes formas culturais. Com ST aprendi que os povos são diferentes, agem e pensam de forma diferente, porém, isso não faz com que uma cultura seja melhor que a outra. Somos todos, apenas, diferentes. Isso é verdade, tanto na Terra, como em qualquer outro planeta do Universo.
TaH pagh TaHbe.
Outra importante lição eu tirei da antítese Spock x Data, embora sejam personagens de fases diferentes da série. Spock, o meio humano que tentava tão arduamente abandonar os sentimentos e se tornar absolutamente cerebral; e Data, o andróide destituído de sentimentos, buscando desesperadamente por sua humanidade. Nenhu dos dois é perfeito, e nenhum dos dois é satisfeito com sua condição.
A lição clara é que lógica e sentimentos devem existir em harmonia, um não pode sobrepujar o outro, assim como um não é melhor que o outro. Para sermos completos, temos que encontrar o perfeito ponto de equilíbrio entre eles.
Esses conceitos, que assim, escritos, parecem tão simples, guiam minha vida. Minha personalidade é hoje um somatório dos ensinamentos ministrados por Kirk, Spock e McCoy, Pickard, Janeway, Sisko, Worf, Data, Troy...
E, em verdade, embora a estória se passe no futuro, Star Trek não é nada mais que uma nova forma de narrar um conto de capa-e-espada, na tradução de todos os seus valores de dignidade, lealdade, honradez. Valores que a humanidade, infelizmente, vem deixando de lado ao longo dos tempos.