André Petry
"Elisabete dos Santos, que matou a filha, vai para a cadeia. É justo. Elisabete cometeu um crime repulsivo. Mas é hipocrisia que só as mulheres abastadas tenham acesso ao aborto".
A pequena Michele, nome dado pelos funcionários da UTI neonatal, morreu na noite de quinta-feira. No domingo anterior, Michele foi encontrada boiando num poluído ribeirão da região metropolitana de Belo Horizonte. Sua mãe, Elisabete Cordeiro dos Santos, de 25 anos, não queria a filha. Aos quatro meses de gravidez, tentou abortar, mas não deu certo. Aos oito, tomou remédios abortivos, a criança nasceu com 37 semanas e a mãe jogou-a no ribeirão poluído nos fundos de casa. Na UTI, o bebê acabou morrendo com infecção generalizada e edema cerebral. A mãe está presa.
Infelizmente, Elisabete não é a primeira a jogar o filho fora. Infelizmente, não será a última. O caso recente mais conhecido, também ocorrido em Belo Horizonte, é o da vendedora Simone Cassiano da Silva, então com 29 anos. Em janeiro do ano passado, ela jogou a filha de 2 meses na Lagoa da Pampulha. A criança foi encontrada num saco plástico, boiando. Sobreviveu. Simone foi condenada a oito anos e quatro meses de prisão por tentativa de homicídio. Cumpre a pena na penitenciária Estevão Pinto, em Belo Horizonte (o leitor reparou como tem gente que vai presa no Brasil?).
Com regularidade mensal, surgem casos parecidos. Agora mesmo, no dia 19 de setembro, a faxineira Maria Zilda da Silva, de 39 anos, abandonou seu bebê recém-nascido numa mata em Camaragibe, região metropolitana do Recife. O bebê foi encontrado com o corpo coberto de picadas de formigas e com dificuldade de respirar. Também sobreviveu.
O que há em comum entre essas mães?
São todas mulheres humildes, pobres, moradoras do pedaço senzala do Brasil. Nenhuma é de classe média, classe alta. Por quê? Será que as brasileiras mais abastadas têm um instinto materno naturalmente mais aguçado? Ou são educadas com mais zelo para os rigores da maternidade? Será que só ficam grávidas quando querem? Será que entre elas os métodos de contracepção são 100% eficazes, índice de sucesso inédito inclusive na Suécia e na Noruega?
A resposta é o aborto. As brasileiras mais abastadas, se não querem uma gravidez que não puderam evitar, dispõem dos meios para abortar. Há clínicas clandestinas que fazem o serviço pelo Brasil inteiro. Mas cobram caro. Jamais uma brasileira abastada, sem outra opção que não o aborto, se verá levada à demência de jogar um bebê pela janela. Justamente porque o aborto se lhe apresenta como solução anterior a esse estágio de completo desespero e delírio.
Quem fica sujeito a não ter opção alguma, nem mesmo à do aborto, são essas mulheres pobres, que vivem na periferia da cidade e da vida, que não têm dentes nem futuro, que amam às pressas, que são elas próprias filhas de algum abandono – do parceiro, da família, do estado. É por isso que legalizar o aborto, além de tudo, também é uma forma de tratar as brasileiras com alguma igualdade.
Elisabete, que matou a filha, vai para a cadeia. Deve pegar mais que os oito anos de Simone, que jogou a filha na Lagoa da Pampulha. É justo. Elisabete cometeu um crime repulsivo. É assassinato. Vivendo a mesma asfixia infernal de Elisabete, tantas outras mulheres jogam seus filhos fora. É justo que, mesmo sendo pobres, tivessem outra opção.
Como sempre, dois Brasis.
A pequena Michele, nome dado pelos funcionários da UTI neonatal, morreu na noite de quinta-feira. No domingo anterior, Michele foi encontrada boiando num poluído ribeirão da região metropolitana de Belo Horizonte. Sua mãe, Elisabete Cordeiro dos Santos, de 25 anos, não queria a filha. Aos quatro meses de gravidez, tentou abortar, mas não deu certo. Aos oito, tomou remédios abortivos, a criança nasceu com 37 semanas e a mãe jogou-a no ribeirão poluído nos fundos de casa. Na UTI, o bebê acabou morrendo com infecção generalizada e edema cerebral. A mãe está presa.
Infelizmente, Elisabete não é a primeira a jogar o filho fora. Infelizmente, não será a última. O caso recente mais conhecido, também ocorrido em Belo Horizonte, é o da vendedora Simone Cassiano da Silva, então com 29 anos. Em janeiro do ano passado, ela jogou a filha de 2 meses na Lagoa da Pampulha. A criança foi encontrada num saco plástico, boiando. Sobreviveu. Simone foi condenada a oito anos e quatro meses de prisão por tentativa de homicídio. Cumpre a pena na penitenciária Estevão Pinto, em Belo Horizonte (o leitor reparou como tem gente que vai presa no Brasil?).
Com regularidade mensal, surgem casos parecidos. Agora mesmo, no dia 19 de setembro, a faxineira Maria Zilda da Silva, de 39 anos, abandonou seu bebê recém-nascido numa mata em Camaragibe, região metropolitana do Recife. O bebê foi encontrado com o corpo coberto de picadas de formigas e com dificuldade de respirar. Também sobreviveu.
O que há em comum entre essas mães?
São todas mulheres humildes, pobres, moradoras do pedaço senzala do Brasil. Nenhuma é de classe média, classe alta. Por quê? Será que as brasileiras mais abastadas têm um instinto materno naturalmente mais aguçado? Ou são educadas com mais zelo para os rigores da maternidade? Será que só ficam grávidas quando querem? Será que entre elas os métodos de contracepção são 100% eficazes, índice de sucesso inédito inclusive na Suécia e na Noruega?
A resposta é o aborto. As brasileiras mais abastadas, se não querem uma gravidez que não puderam evitar, dispõem dos meios para abortar. Há clínicas clandestinas que fazem o serviço pelo Brasil inteiro. Mas cobram caro. Jamais uma brasileira abastada, sem outra opção que não o aborto, se verá levada à demência de jogar um bebê pela janela. Justamente porque o aborto se lhe apresenta como solução anterior a esse estágio de completo desespero e delírio.
Quem fica sujeito a não ter opção alguma, nem mesmo à do aborto, são essas mulheres pobres, que vivem na periferia da cidade e da vida, que não têm dentes nem futuro, que amam às pressas, que são elas próprias filhas de algum abandono – do parceiro, da família, do estado. É por isso que legalizar o aborto, além de tudo, também é uma forma de tratar as brasileiras com alguma igualdade.
Elisabete, que matou a filha, vai para a cadeia. Deve pegar mais que os oito anos de Simone, que jogou a filha na Lagoa da Pampulha. É justo. Elisabete cometeu um crime repulsivo. É assassinato. Vivendo a mesma asfixia infernal de Elisabete, tantas outras mulheres jogam seus filhos fora. É justo que, mesmo sendo pobres, tivessem outra opção.
Como sempre, dois Brasis.
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