Viviane Fernandes
O cenário é um ponto de ônibus da Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, bairro de classe média alta da cidade do Rio de Janeiro.
Aconteceu no dia 4 de novembro de 2007, um domingo, por volta da 1 hora e 30 minutos. Madrugada.
As personagens: de um lado, três jovens de classe média, dois estudantes universitários e um menor, com 17 anos de idade; do outro lado, prostitutas e travestis.
Para o leitor incauto, a história que logo se constrói em sua mente é que os três jovens estudantes de classe média teriam sido agredidos por prostitutas e travestis num ponto de ônibus, ao retornar para casa, após uma noite de diversão.
Ledo engano, pois estamos falando do Rio de Janeiro, cidade pitoresca onde se desenrolam tramas bem mais complexas do que pode conceber a nossa vâ fantasia.
Os fatos então, segundo narrado em um periódico de grande circulação do Estado, foi o seguinte:
Após passarem parte da noite bebendo em um shopping, os três estudantes - Fernando Mattos Roiz Júnior, 19 anos, estudante de jornalismo; Luciano Filgueiras Monteiro, 21 anos, estudante de engenharia, e o menor de 17 anos -, decidem se divertir esvaziando um extintor de incêndio em cima de prostitutas e travestis que faziam ponto na Avenida Lúcio Costa. Extintor de incêndio este que teria sido furtado do condomínio de um dos perpetradores.
A ação foi testemunhada por um engenheiro que passava de carro pela avenida, acompanhado pela namorada e dois filhos. Não se omitiu: avisou à polícia. Ficou tão revoltado que seguiu o carro dos agressores até que fossem detidos na Avenida das Américas.
O caso, que remete à lembrança a agressão sofrida pela doméstica Sirlei Dias acorrido no dia 24 de junho, na mesma Avenida Lúcio Costa, suscita uma série de discussões, que devem ser levantadas.
Em primeiro lugar, deve-se levar bem mais a sério a questão da violência. Sociólogos e demagogos são unânimes em defender que a pobreza e a falta de educação são pressupostos para a escalada da violência. No caso em tela, assim como no referido caso Sirlei, os agressores não eram pobres. E são estudantes universitários. No caso Sirlei, um deles inclusive é estudante de direito.
Outra circunstância que aproxima este caso com a agressão a Sirlei é a total falência da educação familiar e dos bons costumes.
No caso Sirlei, o pai de um de seus agressores, declarou que “manter essas crianças presas é desnecessário. Elas estudam, têm famílias e não são bandidas”. Essa declaração foi feita pelo empresário Ludovico Ramalho Bruno, pai de Rubens Arruda, 19 anos, estudante de direito. O mesmo senhor Ludovico justificou os hematomas de Sirlei por ela ser “mais frágil por ser mulher, por isso fica roxa com apenas uma encostada”.
No caso deste fim-de-semana, o pai de Fernando disse que “tem gente que faz coisa pior. Foi apenas uma brincadeira de crianças. Qualquer um já passou por isso quando adolescente”.
O fato é que a Constituição é clara, em seu artigo 5°, III: “ninguém será submetido à tortura nem tratamento desumano ou degradante”. Eu não lembro de qualquer ressalva da Carta Magna que fale da possibilidade de tratar prostitutas de forma desumana ou degradante – ou mendigos, se não quisermos nos esquecer do caso Galdino Jesus dos Santos ("pensei que fosse um mendigo").
A violência nos grandes centros urbanos, principalmente a praticada por adolescentes de classe média-alta, é muito mais complexa do que querem acreditar os teóricos da segurança pública. Estes adolescentes estão acostumados a uma rotina de permissividade que lhes cria a ilusão de realeza. São desde novos ensinados que a justiça comum não se aplica a eles, já que a própria corrupção é intrínseca à sociedade, que glamoriza o consumo de bebidas alcoólicas e de drogas, que determina que aquele que tem dinheiro tem poder, pode dispor da vida dos menos privilegiados da forma que desejam.
A falência da família, em seu sentido mais amplo, tem também aqui sua parcela de responsabilidade. Uma vez que é a partir dos modelos da infância que se forma o caráter do indivíduo, o que se dizer de exemplos como o dos senhores Ludovico Bruno e Fernando Roiz?
Mais uma vez me pego na contra-mão do convencionado, defendendo os direitos daqueles com quem ninguém se importa. Enquanto a sociedade não se conscientizar de que essa política de segurança pública feita para “preto e pobre”, além de injusta e desleal, é responsável também por criar um ódio social da maior gravidade, ódio esse que não é amparado por barreiras, já que as diferenças sociais nem sempre não objetivas, muitas vezes são resultado de caráter subjetivo do indivíduo, fatos como estes vão se perpetuar nas crônicas e noticiários.
Mais uma vez lanço mão de nossa vilipendiada Carta, que deveria ser Magna, a qual, no caput de seu belo artigo 5°, diz “todos são iguais perante a lei”. O texto é lindo, infla nosso peito com a expectativa de uma “igualdade” para todos. Mas será que a sociedade irá, um dia, alcançar essa igualdade?
O cenário é um ponto de ônibus da Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, bairro de classe média alta da cidade do Rio de Janeiro.
Aconteceu no dia 4 de novembro de 2007, um domingo, por volta da 1 hora e 30 minutos. Madrugada.
As personagens: de um lado, três jovens de classe média, dois estudantes universitários e um menor, com 17 anos de idade; do outro lado, prostitutas e travestis.
Para o leitor incauto, a história que logo se constrói em sua mente é que os três jovens estudantes de classe média teriam sido agredidos por prostitutas e travestis num ponto de ônibus, ao retornar para casa, após uma noite de diversão.
Ledo engano, pois estamos falando do Rio de Janeiro, cidade pitoresca onde se desenrolam tramas bem mais complexas do que pode conceber a nossa vâ fantasia.
Os fatos então, segundo narrado em um periódico de grande circulação do Estado, foi o seguinte:
Após passarem parte da noite bebendo em um shopping, os três estudantes - Fernando Mattos Roiz Júnior, 19 anos, estudante de jornalismo; Luciano Filgueiras Monteiro, 21 anos, estudante de engenharia, e o menor de 17 anos -, decidem se divertir esvaziando um extintor de incêndio em cima de prostitutas e travestis que faziam ponto na Avenida Lúcio Costa. Extintor de incêndio este que teria sido furtado do condomínio de um dos perpetradores.
A ação foi testemunhada por um engenheiro que passava de carro pela avenida, acompanhado pela namorada e dois filhos. Não se omitiu: avisou à polícia. Ficou tão revoltado que seguiu o carro dos agressores até que fossem detidos na Avenida das Américas.
O caso, que remete à lembrança a agressão sofrida pela doméstica Sirlei Dias acorrido no dia 24 de junho, na mesma Avenida Lúcio Costa, suscita uma série de discussões, que devem ser levantadas.
Em primeiro lugar, deve-se levar bem mais a sério a questão da violência. Sociólogos e demagogos são unânimes em defender que a pobreza e a falta de educação são pressupostos para a escalada da violência. No caso em tela, assim como no referido caso Sirlei, os agressores não eram pobres. E são estudantes universitários. No caso Sirlei, um deles inclusive é estudante de direito.
Outra circunstância que aproxima este caso com a agressão a Sirlei é a total falência da educação familiar e dos bons costumes.
No caso Sirlei, o pai de um de seus agressores, declarou que “manter essas crianças presas é desnecessário. Elas estudam, têm famílias e não são bandidas”. Essa declaração foi feita pelo empresário Ludovico Ramalho Bruno, pai de Rubens Arruda, 19 anos, estudante de direito. O mesmo senhor Ludovico justificou os hematomas de Sirlei por ela ser “mais frágil por ser mulher, por isso fica roxa com apenas uma encostada”.
No caso deste fim-de-semana, o pai de Fernando disse que “tem gente que faz coisa pior. Foi apenas uma brincadeira de crianças. Qualquer um já passou por isso quando adolescente”.
O fato é que a Constituição é clara, em seu artigo 5°, III: “ninguém será submetido à tortura nem tratamento desumano ou degradante”. Eu não lembro de qualquer ressalva da Carta Magna que fale da possibilidade de tratar prostitutas de forma desumana ou degradante – ou mendigos, se não quisermos nos esquecer do caso Galdino Jesus dos Santos ("pensei que fosse um mendigo").
A violência nos grandes centros urbanos, principalmente a praticada por adolescentes de classe média-alta, é muito mais complexa do que querem acreditar os teóricos da segurança pública. Estes adolescentes estão acostumados a uma rotina de permissividade que lhes cria a ilusão de realeza. São desde novos ensinados que a justiça comum não se aplica a eles, já que a própria corrupção é intrínseca à sociedade, que glamoriza o consumo de bebidas alcoólicas e de drogas, que determina que aquele que tem dinheiro tem poder, pode dispor da vida dos menos privilegiados da forma que desejam.
A falência da família, em seu sentido mais amplo, tem também aqui sua parcela de responsabilidade. Uma vez que é a partir dos modelos da infância que se forma o caráter do indivíduo, o que se dizer de exemplos como o dos senhores Ludovico Bruno e Fernando Roiz?
Mais uma vez me pego na contra-mão do convencionado, defendendo os direitos daqueles com quem ninguém se importa. Enquanto a sociedade não se conscientizar de que essa política de segurança pública feita para “preto e pobre”, além de injusta e desleal, é responsável também por criar um ódio social da maior gravidade, ódio esse que não é amparado por barreiras, já que as diferenças sociais nem sempre não objetivas, muitas vezes são resultado de caráter subjetivo do indivíduo, fatos como estes vão se perpetuar nas crônicas e noticiários.
Mais uma vez lanço mão de nossa vilipendiada Carta, que deveria ser Magna, a qual, no caput de seu belo artigo 5°, diz “todos são iguais perante a lei”. O texto é lindo, infla nosso peito com a expectativa de uma “igualdade” para todos. Mas será que a sociedade irá, um dia, alcançar essa igualdade?
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