Viviane Fernandes
Desde que me lembro, eu amo os cães... Desde então, tive e tenho a felicidade de ter tido alguns cães em minha vida.
A primeira delas foi a Diana. Uma mestiça de pêlo curto, black & tan, que entrou na minha vida meio que por acaso. Uma verdadeira lady! Silenciosa, educada, limpa... Aprendi muito com ela. Aprendi, principalmente, que o pior que se pode fazer com um cão é privá-lo da convivência com seus iguais, longe de uma matilha canina. Não sei se a Diana foi feliz... Sei que a amei - ainda a amo - e jamais esqueço tudo aquilo que aprendi com ela.
Logo que a Di foi pra Lua, em setembro de 1993, o Leão veio integrar a nossa família. Ficou sozinho conosco por cerca de 1 mês, e aí chegou também o Cronus.
O Leão era um belo e dourado cão de pêlos longos que não tinha dono, perambulava pelo trabalho de meu pai, que o adotou em meio à dor de saudade da Di. Não sabíamos sua história, não sabíamos sua idade, sabíamos apenas que tinha algumas tendências agressivas; mas o adotamos mesmo assim. Foi um excelente Amigo, um defensor irascível e incansável de nossa família.
O Cronus chegou para nós com 45 dias de idade. Era um belo filhote de dobermann, cuja cabecinha ainda parecia uma maçãzinha, os coxins das patas ainda tinham aquela textura de borracha e o cheirinho de polvilho, típicos dos filhotes que ainda não começaram a explorar o mundo.
Leão e Cronus não podiam ser mais diferentes um do outro. E o início da convivência entre eles foi um tanto difícil. Leão tinha acabado de nos adotar como sua família e não estava inclinado a aceitar um pirralho novo na casa. Porém, passados poucos dias, ele percebeu que o moleque estava ali para ficar, e que seria bem menos desgastante para todos ficar amigo dele. E foi uma bela amizade, apesar dos agouros negativos de todos, que insistiam em prever que Cronus iria crescer e matar o Leão. Jamais estiveram tão errados! Não só foram amigos por toda suas vidas, como também Cronus sempre respeitou o Leão, dando-lhe inclusive prioridade de passagem, prioridade na vasilha de água, prioridade na vasilha de comida, demonstrando uma educação que não costumamos ver entre os humanos. Jamais brigaram, comiam juntos, andavam juntos, dormiam juntos... Leão e Cronus formaram então a sua matilha - a minha primeira matilha.
Em 2001, Leão já estava bem velho, e Cronus tinha 8 anos e, seguramente, pesava mais de 30kg. Em setembro daquele ano adotei a Sunny, uma pequena mestiça de poodle com qualquer coisa que, naquela época, devia pesar um 3kg, se tanto... Sunny veio de uma casa em que havia vários cães, de diferentes reças e tamanhos. Nasceu e cresceu cercada deles e, portanto, jamais se intimidou pelo fato de aquele cara ser bem maior e mais pesado que ela. Creio que foi amor à primeira vista - o Cronus simplesmente se apaixonou pela Sunny - aliás, como todos nós. Vivia atrás dela e era hilário ver aquela bolinha de pêlos sendo seguida de perto pelo nariz do imenso dobermann, de um lado para outro! Sunny passou então a integrar aquela matilha sem qualquer oposição.
Quanto ao Leão, ela tentava, de todas as formas, chamar sua atenção... Mas creio que ele estava velho demais para agüentar a energia daquela filhotinha, então não lhe dava muita bola, porém sem rejeitá-la ou excluí-la. De fato, ele nos deixou em agosto de 2002. Outro querido Amigo que foi pra Lua e nos deixou com a dor da saudade...
Em setembro de 2002, veio a Drica. Uma imensa filhote de schnauzer que chegou lá em casa com 83 dias e uns 5kg - uma monstrinha. Com pouco mais de 2 meses, a Drica pesava quase tanto quanto a Sunny! E aqui, reservo um comentário: quando Drica veio pra casa, tive receio da reação da Sunny, quer dizer, como ela iria reagir à presença da filhote. Mas a Sunny me surpreendeu, adotando imediatamente a Drica como parte da matilha, passou a tratá-la imediatamente como a uma filha ou a uma irmã. E assim formou-se a matilha Cronus-Sunny-Drica.
Em 2005 Cronus tinha 12 anos, Sunny tinha 4 anos, a Drica casou, e teve 7 bebês, dos quais acabei ficando com duas cadelinhas, Carina e Chewie. Pode parecer inconcebível para alguns, mas o Cronus simplesmente tolerou os filhotes com uma calma que jamais é atribuída aos dobermanns. Tenho fotos dele cercado pelos filhotes por todos os lados! Aliás, se há uma palavra que sempre definiu Cronus é caráter - um verdadeiro gentleman!
E então minha matilha passou a ser formada por Cronus-Sunny-Drica-Carina-Chewie. E aqui relato uma das circunstâncias que mais me emocionaram em todos esses anos de convivência com os cães, não apenas com os meus, um acontecimento que me prova o quanto os cães são capazes de raciocínio e empatia, apesar de todas as controvérsias acerca disso.
Desnecessário dizer o quanto o Cronus estava envelhecendo. Com o passar dos anos ele foi acometido de vários problemas de saúde, dentre os quais uma displasia de joelho que o debilitou progressivamente, evoluindo para uma artrose crônica, em conseqüência da qual, além das fortes dores, desenvolveu uma grande dificuldade de levantar e permanecer de pé. Se o piso por onde caminhava não fosse áspero, ele escorregava e não mais conseguia levantar-se. Além disso, com os anos, desenvolveu incontinência urinária, como a maioria dos idosos, caninos ou humanos.
Então, em uma certa noite, ele se levantou para ir ao quintal fazer xixi - um parêntesis: meus cães sempre dormiram dentro de casa e sempre foram (e são) muito limpos. Porém, por causa da incontinência urinária, o Cronus fez xixi no corredor, que é de piso frio. Escorregou, caiu, não conseguia se levantar, e ficou ali, patinando na urina.
Uma das conseqüências de meus cães permanecerem à noite dentro de casa é que eles dormem a noite toda. Exceto quando ocorre alguma anormalidade próximo a minha porta ou ao portão, meus cães dormem a noite toda, não latem e não nos acordam.
Naquela noite, fui acordada pela Sunny, que sutilmente lambeu o meu nariz. Bom, meio que não acordei, mandei-a dormir, e virei para o outro lado. Logo depois, veio a Chewie, que também me acordou lambendo o meu nariz. Fiz com ela o mesmo que com a Sunny. Após, veio a Carina, mesma coisa. Depois voltou a Sunny. A essa altura, eu já estava acordada e me conscientizei de que alguma coisa tinha que estar errada. Foi quando ouvi... Patas, unhas arranhando o chão. Levantei e vi o Cronus caído na poça de urina, e só então percebi o que elas estavam fazendo. Estavam me acordando para que eu socorresse o Cronus. Não apenas elas perceberam que ele estava em dificuldade como foram buscar ajuda daquele membro da matilha que julgaram ser o adequado para resolver o problema. Sim, porque me considero líder de minha matilha. Além disso, agiram em conjunto, como uma verdadeira matilha!
Cronus foi pra Lua em 3 de outubro de 2008, então com 15 anos completos. Estava velho, cansado, desgastado. Foi um Amigo ímpar, do qual ainda sinto muitas saudades. Lembrar dele ainda doi muito, e ainda me faz chorar copiosamente - como agora...
Sunny, Drica, Carina e Chewie ainda estão comigo. Não sei por quanto tempo, mas sei que enquanto estivermos juntas, não existirá amor como o que eu sinto por elas, minha pequena matilha. Meus cães são o meu tudo, eu não existo sem eles. Não consigo imaginar como alguém pode pensar neles como objetos, é-me difícil aceitar o ordenamento jurídico brasileiro, segundo o qual os cães não são sujeitos de direitos, porque, da forma como eu vejo, eles são capazes de sentimentos e atitudes mais nobres que as de muitos seres humanos.
Enfim, levando em conta que há pouco mais de 1 século alguns povos eram considerados inferiores e desprividos de humanidade, resta-me a esperança de que, um dia, o homem vai respeitar os demais seres vivos, assim como, nas palavras de Leonardo Da Vinci:
"Chegará o dia em que os homens conhecerão o íntimo dos animais, e, neste dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a humanidade".