Viviane Fernandes
O Brasil outra vez se comove com o fim de uma criança. O caso Isabella Nardoni é o mais recente assunto preferido da imprensa. Ano passado foi a triste história de João Hélio Vieites, vítima da violência urbana no Rio de Janeiro. Um caso que chocou a todos.
O recente caso de Isabella choca pelo mistério do enredo que o envolve. Afinal, quem agrediu a menina Isabella? Quem jogou a criança pela janela, do 6º andar do edifício onde vivem seu pai e sua madastra?
Motivo, meio e oportunidade?
É possível que a polícia consiga desvendar esse caso. Se a imprensa deixar... Por hora, a única coisa certa é que a mídia já encontrou os seus culpados. Ainda que exista a possibilidade de o assassino da menina Isabella estar em plena liberdade e, se for esperto, já foi embora de São Paulo, afastando-se dos holofotes colocados pela imprensa sobre o caso.
Infelizmente, não é apenas o fim trágico de suas vidas inocentes que aproxima João Hélio e Isabella. Infelizmente, estas duas crianças mantém ainda um outro elo, uma conexão que deveria nos envergonhar como sociedade: tanto João Hélio quanto Isabella pertenciam a uma classe social mais abastada, uma classe-média-alta.
Obviamente, nenhuma criança deveria sofrer qualquer tipo de violência. Evidentemente, não se pode tolerar qualquer tipo de coação em qualquer momento da vida social. Mas ela existe, lamentavelmente.
Lembro-me, ainda com bastante revolta, de um caso que li, há anos, em uma edição de O Povo. Um homem jogou a filha, um bebê recém-nascido, pela janela. Quando a mãe chegou a casa, encontrou o 'marido' sentado na sala, assistindo TV. Foi ao quarto e, não encontrando a criança no berço, voltou à sala e interpelou-o sobre o paradeiro do bebê. O homem nada disse, apontou a janela. Horrorizada, a mulher viu o corpo da filha no valão, do outro lado da rua. Correu, encontrou a criança ainda viva, levou-a a um hospital. O bebê não resitiu. Politraumatismo e infecção generalizada. Ela deu queixa e, horas após, a polícia bateu à porta da casa. Encontrou o homem na mesma posição, sentado diante da TV. Foi levado à delegacia, onde confessou o crime. O motivo: "o choro dela estava me irritando". Impassível, como se fosse a coisa mais natural do mundo jogar uma criança pela janela.
Aconteceu em uma favela do Rio de Janeiro. Apenas o jornal O Povo noticiou. Apenas a imprensa marronista.
Descaso - com a infância, com certeza. Mas, onde estavam todos os repórteres que hoje fazem plantão na porta da casa do avô de Isabella? Onde estavam aqueles repórteres que passaram dias, semanas, assediando a família Vieites? Descaso da imprensa, que escolhe o que reportar. Como e quando noticiar. Morte de pobre é para os periódicos de baixa categoria.
Crianças negras, pobres, carentes. Apesar do descaso, essas também são humanas. Negros e pobres também são seres humanos! Parece absurdo ter que escrever, repetidas vezes esse corolário, mas a sociedade tende a fechar os olhos para o drama daqueles a quem escolheu desamparar.
Vivemos em uma sociedade de desigualdades, dessemelhanças que propiciam a manifestação de conflitos sociais que, eventualmente, chegam às nossas casas por meio daquele aparelho retangular que tanto cultuamos. Porém, será que realmente questionamos o que nos é enviado, ou apenas vivemos como gado - povo marcado, povo feliz?
"Pensei que era um mendigo".
"Pensei que era uma prostituta".
"O choro dela estava me irritando".
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